Os três santos de Bangui
[publicado no suplemento Igreja Viva (26.11.2015) do jornal Diário do Minho]
O Papa Francisco iniciou, ontem, a sua primeira visita apostólica em África e a 11ª do seu pontificado. Até 30 de Novembro, dia em que termina a visita, o pontífice visita três países: a República Centro-Africana (RCA), o Quénia e o Uganda. Todos os três já visitados por João Paulo II, e o Uganda por Paulo VI.
A viagem acontece numa altura em que o tribunal do Vaticano julga cinco pessoas por alegadamente terem divulgado documentos internos, reservados, sobre as finanças do Estado. Contemporaneamente, a Europa vive em permanente sobressalto com a maior ameaça terrorista da última década. Perante este cenário somos tentados a pensar que a viagem será relegada para segundo ou terceiro plano na agenda mediática.
Tal não acontecerá por três motivos fundamentais. Primeiro, é a primeira vez que um Papa coloca os pés numa zona de guerra activa. É o caso da República Centro-Africana, país em estado de guerra civil. Os serviços de informação franceses alertaram o Vaticano definindo a República Centro-Africana como “altamente insegura” e com risco “não irrelevante” que se possa verificar um atentado durante a visita, concretamente a 29 de Novembro, dia em que será aberta a Porta Santa do Jubileu da Misericórdia na catedral de Bangui.
Em segundo lugar, a viagem será uma oportunidade para dar a conhecer ao mundo “os três santos de bangui”, assim apelidados pelo Le Monde e que a revista Time considerou das 100 pessoas mais influentes do mundo em 2014. Ainda este ano, a ONU atribui-lhes o prémio Sérgio Vieira de Mello. O imã Oumar Kobine Layama, presidente do Conselho Islâmico, o reverendo Nicolas Guerekoyame-Gbangou, presidente da Aliança Evangélica, e o Arcebispo Dieudonée Nzpalaingua de Bangui e presidente da Conferência Episcopal da RCA criaram uma plataforma inter-religiosa que congrega e senta à mesma mesa católicos, protestantes e muçulmanos. Move-os um objectivo comum: a promoção de caminhos de reconciliação “num contexto em que a religião é sempre cada vez mais instrumentalizada para colocar as comunidades umas contras as outras”, como sustenta a jornalista e redatora na revista missionária católica Mondo e Missione, Anna Pozzi. Em boa verdade, a viagem, quase temerária, à RCA, surge como resposta ao convite feito pelo imã, o pastor evangélico e o arcebispo católico aquando da visita ao Papa no Vaticano em 2014. Ao aceitar o convite Francisco está a dar o maior apoio possível a um dos maiores exemplos de diálogo inter-religioso tendo em vista a paz.
Por último, a habitual e já incontornável conferência de imprensa do Papa na viagem de regresso, que será uma das mais duras e exigentes. Logo à partida, uma das perguntas inevitáveis será sobre o sínodo da família. Concretamente se os parágrafos 84, 85 e 86 abrem a possibilidade dos divorciados recasados acederem à vida sacramental. Depois, temos a questão relacionada com a liberdade de imprensa. Dois jornalistas italianos estão a ser julgados no Vaticano por alegadamente terem acedido ilicitamente a documentos reservados do Estado do Vaticano. Um outro tema que merecerá atenção da parte dos jornalistas e um comentário do papa será a política internacional, nomeadamente os últimos atentados terroristas em Paris.
Motivos mais do que suficientes para seguirmos atentamente os discursos, os encontros e os gestos de Francisco em África, num momento em que o mundo precisa urgentemente de referências luminosas e alternativas.